Como o crescimento do turismo está gerando seu oposto: o antiturismo
Com a explosão do turismo afetando até mesmo cidades pequenas, como Porto, em Portugal, visitantes e locais provavelmente estão procurando por coisas mais autênticas. Mas isso é possível?
(Crédito: divulgação)
A calmaria e as vielas de pedra de Porto, a segunda maior cidade de Portugal, fazem com que ela se torne um dos principais pontos turísticos da Europa há alguns anos. Entre os motivos para o crescimento dos turistas, segundo as autoridades, estão as vantagens que as companhias oferecem na hora da compra de passagens aéreas para outros destinos do continente e um sofisticado direcionamento de marketing do governo.
Mas os planos turísticos em Porto têm seus custos: velhos cafés estão dando lugar a franquias do Starbucks. Os moradores locais encontram a si mesmos subvalorizados pelo boom de aluguéis em curto prazo. E, enquanto Porto ainda não viu protestos antituristas, assim como Veneza e Barcelona, há um grande sentimento de intranquilidade.
Se alguns locais estão sofrendo com o turismo, o mesmo se pode dizer dos próprios turistas. As principais atrações turísticas da cidade podem ser vistas em um dia ou dois, e uma classe média de visitantes está procurando por coisas diferentes. Um estudo de 2016 feito pela companhia de viagens online Expedia, por exemplo, mostra que turistas jovens estão especialmente ansiosos por experiências que envolvam “viver como um local” e encontrar “joias escondidas” fora dos caminhos dos guias.
Eles são, em parte, atendidos: o jornal português Público contou recentemente a história de Margarida Castro, uma nativa de Porto que criou, com outros dois arquitetos, a agência The Worst Tours, há cinco anos. Eles mostram às pessoas ao redor da cidade fábricas abandonadas, velhas linhas de trem, terrenos vazios e ruas depreciadas. O ponto final do passeio é um shopping no centro que faliu na metade dos anos 1990, e que agora oferece cafés baratos e estúdios para bandas locais.
Seu “antitour” foi uma resposta a como o turismo está mudando Porto. “Nós estávamos precisando encontrar um jeito de colocar para fora nossa energia e nossas frustrações, então nós criamos uma caminhada para espalhar o debate político”, ela disse ao jornal. “Era isso ou drogas pesadas”, completou, em tom de brincadeira.
O Worst Tours é um dos passeios turísticos alternativos em cidades que agora estão bombando como destinos populares para o turismo ao redor do mundo. De um jeito ou de outro, todos prometem furar a propaganda de marketing, desvendar o lado real das cidades e prover uma experiência “autêntica”.
“Ninguém quer ser turista”, completou Margarida.
Os moradores, da mesma forma, estão procurando por novas formas de se engajar com suas cidades. Em Viena, uma empresa oferece “aventuras urbanas” pela capital austríaca, incluindo o “Ugly Vienna Tour” (“Passeio pela cidade feia”), o “Corruption Tour” (“Passeio da corrupção”), o “Midnight Tour” (“Passeio da meia-noite”) ou o “Smells Like Vienna Spirit Tour”, em que os turistas exploram os cheiros da cidade. A agência afirmou ao jornal britânico The Times que 80% dos clientes são moradores locais.
Margarida argumenta que os passeios não são apenas para os visitantes de fora, mas estimulam a criatividade por meio de uma tradição grega antiga: provocar uma troca de ideias e experiências da vida urbana. “Com nossos salários, nós não viajamos muito. Então, caminhar pela cidade e debater com alguém de Varsóvia ou de Barcelona sobre ela pode me fazer ter ideias diferentes”, disse.
Muitos sociólogos e antropólogos consideram há algum tempo o “turismo imersivo”, como a indústria do turismo o batizou, como uma questão fútil: pelo simples fato de estar no mundo de outras pessoas, nós já o mudamos.
“Que a chegada de turistas estrangeiros modifica a comunidade local nós já sabemos, e é um tema dos primeiros estudos sobre o turismo”, disse Dean MacCannell, sociólogo estadunidense da Universidade de Califórnia, nos Estados Unidos, ao The Times. Ele deu o exemplo de mulheres indígenas no Peru que tradicionalmente colocam uma flor em seus cabelos como sinal de sua abertura para um relacionamento. Hoje, por sua vez, o ato geralmente é feito para atrair as fotos dos turistas.
“Hoje a flor significa apenas que as mulheres conseguem ser, sozinhas, um objeto do olhar turístico”, explicou. “O que o turista está vendo é a vida como ela é vivida pelos locais debaixo do regime do turismo. Se um turista quer uma autenticidade, a indústria vai prover isso em forma de uma autenticidade encenada. Mas usualmente é uma realidade falsa para os turistas explorarem”, finalizou.