Erosão em vales de rios fez a crosta terrestre “empenar” no nordeste brasileiro
Estudo liderado por pesquisadores do Departamento de Geofísica da Universidade de São Paulo, publicado na revista científica Tectonophysics, revela que a baixa rigidez da litosfera combinada com a erosão superficial ao longo de rios fez com que a crosta fosse curvada em parte do nordeste brasileiro
A erosão fluvial, ou seja, o desgaste gerado pelas águas dos rios na crosta terrestre, cria vales que variam de centenas de metros a alguns quilômetros de largura. Esse processo resulta nos vales fluviais, que são formas de relevo esculpidas de acordo com o curso d´água. Com a proposta de investigar como se deu a formação da topografia da Bacia do Recôncavo-Tucano-Jatobá (RTJ), no nordeste do Brasil, pesquisadores de três institutos paulistas desenvolveram um modelo computacional, auxiliado por conceitos de Geologia e Geofísica, para simular como se deu nessa região a resposta dinâmica da litosfera (a camada mais externa da Terra que corresponde à crosta e parte do manto terrestre) ao processo de erosão localizada ao longo de canais fluviais. Esse entendimento é importante porque a paisagem local, com bordas encurvadas, é diferenciada, vista em poucas áreas do mundo.
Este trabalho mostrou que o padrão de soerguimento tectônico (quando a crosta terrestre é elevada da sua posição original), observado na Bacia RTJ, é resultado da combinação de fatores térmicos e dos tipos de rochas presentes. Por conta da baixa rigidez da litosfera nesta região, os flancos dos vales foram soerguidos e curvados ao longo de milhões de anos após a América do Sul se separar da África. A descoberta está publicada no estudo Evidence of crustal flexure induced by fluvial incisions, na revista científica Tectonophysics, com autoria do aluno de doutorado Felipe Baiadori do Departamento de Geofísica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP). Além de pesquisadores do IAG-USP, o trabalho foi realizado em conjunto com professores do Instituto de Geociências da USP e do Instituto de Geociências da Universidade de Campinas (Unicamp).
De acordo com os autores, o encurvamento da litosfera em torno dos vales dos rios é geralmente imperceptível na paisagem, especialmente em ambientes tectonicamente tranquilos. No caso da bacia do Recôncavo-Tucano-Jatobá, é possível observar que as camadas sedimentares sofreram um soerguimento de centenas de metros, justamente nas porções adjacentes aos vales fluviais. “Onde realmente ocorreu erosão, a superfície está soerguida, como se tivesse empenado”, explica o geofísico Victor Sacek, pesquisador e docente do IAG-USP e um dos autores do estudo.
Como se dá o empenamento
O geofísico Victor Sacek contextualiza que a origem do empenamento já vinha sendo estudada, mas ainda não havia um modelo, baseado em experimentos numéricos e computacionais, que explicasse mecanicamente a influência da remoção de camadas de rocha na superfície. Para ilustrar o que foi descoberto, o autor sugere uma analogia. “Imagine que coloquemos um tijolo sob uma placa de isopor flutuando em uma piscina. Inicialmente, esse tijolo será suportado parcialmente pelo empuxo da água e, parcialmente, pela própria rigidez da placa de isopor. Se temos vários tijolinhos justapostos sobre a placa de isopor e eu removo alguns deles, o peso é aliviado, fazendo a placa de isopor soerguer localmente. Quando os rios foram erodindo a crosta, isso resultou na remoção da carga sobre a crosta e representou um alívio local. E esse alívio induziu um soerguimento das regiões adjacentes aos vales”, explica Sacek.
A importância da Bacia RTJ
A Bacia do Recôncavo-Tucano-Jatobá (RTJ) está localizada entre o Cráton São Francisco e a Província da Borborema, nos estados da Bahia, Pernambuco e Sergipe. É um sistema de 38 mil quilômetros quadrados, com a Bacia de Jatobá ao norte, a Bacia do Recôncavo ao sul e a Bacia de Tucano entre elas. Embora seja composta por três bacias diferentes é citada de forma conjunta por conta de seu arcabouço estrutural, que é uma de suas características mais marcantes, visto que grande parte de sua história ocorreu durante a separação do Gondwana. É a província petrolífera mais antiga do Brasil.
Além disso, sua dinâmica fluvial impacta na economia, impulsionando a agricultura nas regiões adjacentes. “Mudanças e capturas de drenagem no tempo geológico moldaram a própria ocupação do espaço pelo ser humano. Então, a formação das cidades, a criação dos vilarejos e o futuro das cidades ocorreu principalmente ao longo dos canais fluviais”, contextualiza o geofísico Victor Sacek. Também assinam o estudo Felipe Baiadori Bernardo T. Freitas e Renato P. Almeida. O estudo foi financiado pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) na forma de bolsa estudantil (processo número 88887.638901/2021-00) e o trabalho contou também com apoio da Petrobras (processo número 2022/00157-6) e CNPq (304984/2022).
Artigo científico
Felipe Baiadori, Victor Sacek, Bernardo T. Freitas, Renato P. Almeida. Evidence of crustal flexure induced by fluvial incisions. Tectonophysics, Volume 877, 2024.
Sobre o IAG/USP
O Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo é um dos principais polos de pesquisa do Brasil nas áreas de Ciências Exatas e da Terra. A missão é contribuir para o desenvolvimento do país, promovendo o ensino, a pesquisa e a difusão de conhecimentos sobre as ciências da Terra e do Universo e aspirando reconhecimento e liderança pela qualidade dos profissionais formados e pelo impacto da atuação científica e acadêmica. Na graduação, o IAG recebe em seus três cursos 80 novos alunos todos os anos. Já são mais de 700 profissionais formados pelo IAG, entre geofísicos, meteorologistas e astrônomos. Os quatro programas de pós-graduação do IAG já formaram mais de 870 mestres e 450 doutores desde a década de 1970. O corpo docente também tem posição de destaque em grandes colaborações científicas nacionais e internacionais.