Como sempre, os dias que precedem o Dia Internacional da Mulher sempre me são cheios de trabalho. Atuando com projetos de empoderamento feminino desde 2009, acontece de surgir algum convite para participar em um evento com uma palestra, ou dar um depoimento sobre minha trajetória de vida, escrever algum artigo ou material para ser publicado no site da minha própria empresa.
Bem no meio deste trabalho que envolve pesquisa, reflexão, análise de dados etc. para escrever este artigo em si, aconteceu um fato na minha própria casa que me fez questionar sobre a que tantas anda a questão do empoderamento feminino e a tão sonhada igualdade ou ainda, equidade de gêneros. Assim, mesmo sendo um exemplo simples da vida diária e da relação de uma mãe com seus filhos, acredito que será bastante ilustrativo para a reflexão que proponho aqui.
Primeiro, preciso fazer uma contextualização. Sou engenheira agrônoma, empresária, professora. Fui casada por duas vezes e tive dois filhos, hoje eles têm 22 e 17 anos e, como já comentei, a questão do empoderamento feminino está na minha vida desde 2009, ou seja, realizando projetos para promover o empoderamento feminino e buscando o meu próprio empoderamento, tendo como lema “Mulheres apoiam Mulheres”!
Dentro deste cenário, é fato que meus dois filhos homens desde muito pequenos também entraram em contato com este conceito, com estas práxis da mulher buscar o seu lugar no mundo, desde muito pequenos. Eles, mais do que ninguém, viram a minha luta para criá-los enquanto mãe solteira. Me acompanharam nas mudanças de cidade em busca de melhores empregos e também sabem quantas vezes tive que deixá-los com terceiros para cumprir com minhas viagens a trabalho. Sabem das vezes que fiquei triste e desabafei sobre os preconceitos e desafios que enfrentei pelo simples fato de ser mulher. Também aprenderam sobre a necessidade de me ajudarem com os afazeres domésticos, uma vez que nem sempre pude pagar uma pessoa para cuidar da casa. Aprenderam a cozinhar a serem independentes e conhecendo o valor de uma mãe, mas, principalmente, de uma mulher. Com tudo isso, acredito que tiveram uma educação diferenciada onde a presença do feminino forte não era a exceção e onde questões como simples sobre divisão de tarefas domésticas e a igualdade de gênero era uma coisa clara e consumada. Mas, como se diz hoje em dia… #soquenao e vocês entenderam o porquê.
Agora vamos ao fato em si. Trabalho com consultoria para o agronegócio e com a pandemia fechei meu escritório e passei a trabalhar home office e estou assim até hoje. Tento manter a minha rotina de trabalho dentro do horário comercial, igual quando tinha o escritório. Entretanto, estou em casa, isso significa que, quando tenho tempo, ainda cozinho e, quando estou disposta, organizo a casa, coloco roupas para lavar etc. Recentemente meu filho mais velho começou a trabalhar e hoje ele me enviou uma mensagem pelo WhatsApp me pedindo que eu “arrumasse” as roupas dele que ainda estavam no varal (dos modelos móveis), pois ele iria usar umas das camisas que estava lá. Como eu já tinha tirado da máquina de lavar e colocado para secar, simplesmente peguei o varal e levei para o quarto dele. Quando ele chegou na hora do almoço, foi até o quarto e viu aquilo, ficou incrédulo. Só escutei ele gritando no quarto “não é possível que você não teve a coragem de dobrar a minha roupa e colocar no armário”, como se fosse a coisa mais absurda do mundo. E aí eu é que fiquei completamente chocada!
Não vou descrever toda a cena, que até seria cômica se não fosse a revelação de uma verdade crua e dura para nós mulheres sobre a questão de empoderamento e igualdade/ equidade de gênero: ainda temos séculos pela frente para que estes conceitos de fato se concretizem.
Pois se o machismo surgiu nas ações de um homem criado por uma mulher dentro daquele contexto, e os homens em geral? Aqueles que ainda foram educados à “moda antiga” e que hoje em dia são nossos pais, nossos esposos, nossos chefes? O quanto este “empoderamento feminino” que, por sinal, só fazendo um adendo, está totalmente banalizado e virou um produto para empresas e pessoas venderem a imagem de socialmente justas – tem se transformado em igualdade, quiçá equidade de gênero?
Será que a educação que ele recebeu foi falha? Não acho isso. O que percebo é que as mulheres estão cada vez mais empoderadas, com certeza. Estão cheias de atitudes de valorização, de autorreconhecimento e de poder. É tanto que muitas vezes parece que mulheres e homens estão num cabo de guerra. Mas, quando refletimos sobre onde queremos chegar com isso, trago dados que comprovam meu ponto de vista de que ainda temos séculos de jornada pela frente. De acordo com o relatório do Global Gender Gap Report de 2002 elaborado pelo World Economic Forum, com o ritmo atual do progresso, em âmbito global, levaremos 136 anos para alcançarmos paridade entre os gêneros.
Neste contexto, me parece ser urgente refletirmos sobre isso, talvez tirar o foco na questão do “empoderamento feminino” e sim pensarmos uma maneira de alcançar os homens de maneira concreta sobre a questão de equidade de gênero. Vejo cada vez mais mulheres confundirem o “empoderamento” com a “síndrome da mulher maravilha”, ou seja, para se sentirem empoderadas assumem múltiplas tarefas, cuidam da casa, dos filhos, precisam ser exemplares no trabalho, realizar ações para ajudar a comunidade etc. Ou seja, a mulher está sendo sobrecarregada cada vez mais e talvez nem perceba que isto está longe de ser uma luta por igualdade, uma vez que não há um progresso real do lado do sexo masculino e os dados comprovam isso. O mesmo relatório do Global Gender Gap aponta que na questão da realização de trabalhos não remunerados somente 19% dos homens que trabalham ajudam nas tarefas diárias enquanto este dado sobe para 55% no caso das mulheres e o estudo ainda menciona que, com aumento dos custos de cuidados infantis, existe um alto risco de que o trabalho de cuidado com a casa e filhos continuará a ser imposta às mulheres.
Outro dado que revela que o “comportamento” masculino não avança, inclusive piora, é na questão relacionada ao assédio e microagressões. Segundo dados da pesquisa mundial realizada pela Deloite, “Women @ Work 2022” realizada em 2021, 44% das mulheres brasileiras passaram situações desse tipo; em 2022, o número subiu para 60%. No caso das mulheres em grupos étnicos minoritários, a situação é pior e elas estão mais propensas do que a média global, e que a média geral do Brasil, a vivenciar essas violências.
Com este cenário não é à toa que um grande grupo de mulheres (44% das brasileiras) se sente esgotada e, muitas vezes, fiz parte deste grupo.
Voltando para a situação vivenciada com meu filho, como uma mulher conhecedora do seu valor enquanto ser humano, capaz de fazer qualquer coisa que um homem faz, mas querer fazer do mesmo jeito que um homem faria e sem nenhuma culpa (algumas mulheres que são mães se sentem culpadas com relação aos filhos e vice-versa), simplesmente trouxe ele para a realidade do modus operandi da nossa casa, onde homens e mulheres fazem o que tem que ser feito na mesma medida.
E como reflexão final, na mesma medida que as mulheres estão se empoderando, precisamos sensibilizar os homens para esta nova realidade, digo sensibilizar porque ele já é conhecedor deste novo cenário, mas ele age como que se tivesse simplesmente observando do lado de fora e isto demonstra que, talvez, ele acredite que a questão do empoderamento feminino não tenha nada a ver com ele.
E a questão é: como podemos fazer isso? Talvez mudando o foco podemos diminuir o tempo em 10, 30 ou 50 anos? Para alcançar a paridade entre os gêneros. Eu já tenho algumas ideias, mas deixo aberto para que vocês, leitoras e leitores, também pensem sobre isso.
(*) Cynthia Moleta Cominesi – Engenheira agrônoma, Ms. professora e empresária. Autora do livro “As donas da p**** toda – Celebration”. Instagram: @cynthiamoletacominesi