Bafômetro veicular impede condução por motoristas embriagados e pode salvar vidas
Tecnologia inédita prevê a criação de um etilômetro integrado que impede a partida do veículo, de qualquer natureza, caso o motorista tenha ingerido álcool; projeto está em fase inicial de testes em carretas nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo
O professor Ricardo Prates, de 60 anos, é cadeirante com tetraplegia e agente de Educação/Conscientização da Operação Lei Seca do Estado do Rio de Janeiro. Há exatos 30 anos, o educador sofreu um acidente de motocicleta na cidade do Rio de Janeiro, onde ainda mora, e teve uma lesão medular na altura do pescoço. Ricardo estava usando capacete e os demais equipamentos de proteção, porém, nenhum item de segurança pôde protegê-lo dos efeitos do álcool. Após sair de uma festa com amigos, a apenas 300 metros de seu destino, Ricardo colidiu com um cavalo que não viu passando no meio da via.
Daquele momento em diante, seguiram-se dias difíceis de luta pela própria vida. Passado o período mais crítico, Ricardo precisou ainda se adaptar à nova rotina e aprender ações básicas como escovar dentes, tomar banho e pentear o cabelo. Hoje, Ricardo é palestrante e usa o próprio exemplo para levar às pessoas a mensagem do quão perigosa é a mistura de álcool e direção.
Ricardo Prates faz parte das elevadas estatísticas de vítimas de acidentes, em vias urbanas e estradas, envolvendo o álcool no Brasil, onde mais de 2,4 mil pessoas morreram nos anos de 2021 e 2022, segundo estatísticas da Secretaria Nacional de Trânsito. Se as ações de conscientização não conseguem frear definitivamente o problema, a chave para redução de ocorrências e preservação de vidas pode estar em uma nova tecnologia desenvolvida no Brasil. Projeto apoiado pela Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) prevê a criação de um etilômetro integrado que impede a partida do veículo, de qualquer natureza, caso o motorista tenha ingerido álcool. Com sistema altamente inovador e inédito em todo o mundo, o produto não apenas bloqueia a ignição do motor como também faz a completa integração com sistemas de monitoramento do funcionamento do veículo e do comportamento do condutor. Inicialmente focado no setor de logística e transportes, para instalação em veículos pesados e redução de acidentes em estradas, o produto também possui potencial para o mercado de carros de passeio, utilitários e motocicletas. O novo etilômetro veicular foi idealizado pela startup SIGHIR Enterprise, do Rio de Janeiro, e todo o desenvolvimento tecnológico foi realizado pelos pesquisadores e alunos da Unidade Embrapii Instituto Federal Fluminense – IF Fluminense.
Como funciona na prática
Ao entrar no veículo, o motorista faz o teste do bafômetro instalado junto ao painel, utilizando um canudo descartável. Caso tenha consumido álcool, o equipamento fará a identificação da substância e automaticamente ativará o bloqueio do motor, impedindo que seja dada a partida. Além disso, os sistemas de telemetria e câmeras vão registrar a imagem do condutor no momento em que ele estiver soprando o equipamento, de forma a confirmar a identidade.
Para evitar fraudes e assegurar que o motorista não faça consumo de álcool depois de iniciar a viagem, o etilômetro realiza testes surpresa no decorrer do percurso. Uma mensagem de voz solicita que o condutor estacione, de forma que possa realizar nova checagem. Todo o processo é acompanhado em tempo real, permitindo averiguação do comportamento do motorista por câmeras e pelos índices de velocidade, aceleração e frenagem, entre outros.
Dividido em duas fases de pesquisa, o projeto do etilômetro veicular recebeu mais de R$ 1 milhão em investimentos totais e foi contratado dentro da parceria entre a Embrapii e o Sebrae. “A Unidade Embrapii IF-Fluminense tem atuado, predominantemente, no atendimento a demandas tecnológicas de empresas de pequeno porte e startups. As micro e pequenas empresas são uma força econômica importante, responsáveis por cerca de 80% dos empregos formais no país. Temos orgulho em apoiar projetos como o etilômetro da SIGHIR, que significa ganhos importantes para toda a sociedade. Neste caso em específico, estamos levando uma solução ao mercado e, ao mesmo tempo, ajudando a salvar vidas”, destaca Rogério Atem, coordenador da Unidade Embrapii IF-Flu.
Atualmente, o projeto já está em fase de testes, com protótipos rodando entre os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Há quatro unidades em funcionamento, sendo uma delas instalada em carro de passeio e três em carretas da transportadora Expresso Predileto e Lógika Transportes, especializada em cargas pesadas e perigosas para o setor de petróleo e gás, carregando especialmente grandes equipamentos e produtos químicos, incluindo substâncias com características explosivas e radioativas.
Resultados
O sucesso dos resultados iniciais possibilitou a produção de um primeiro lote com 80 unidades, que deve estar pronto até fevereiro de 2024. Parte das amostras será enviada a possíveis empresas parceiras para testes internos e cerca de 50 unidades serão utilizadas em uma nova fase de testes, sendo instaladas nos veículos da Expresso Predileto e Lógika. A expectativa é de que o etilômetro possa ser colocado no mercado em breve.
“As empresas de transporte e logística atuam com os seguros de vida, da carreta, do casco do veículo, da carga e contra terceiros. O único evento que pode derrubar todos os seguros é um acidente com álcool. Então os recursos tecnológicos para controle da ingestão de bebidas alcoólicas eram uma demanda urgente das empresas do setor de logística. Mas, até então, a gente não tinha, no mercado, um etilômetro que tivesse integração com câmeras e com a telemetria, para atender a essa necessidade. Nós lançamos o desafio à Unidade Embrapii IF-Flu e eles aceitaram”, explica Ricardo de Barros Tostes, CEO da SIGHIR Enterprise.
O empresário, que também é CEO da Expresso Predileto e da Lógika Transportes, foi quem apresentou a ideia à Unidade Embrapii e, diante da possibilidade real de desenvolvimento das pesquisas, fundou a startup SIGHIR Enterprise, com objetivo específico de dar andamento ao projeto. Para o futuro, os planos são expandir a tecnologia para uso em diversos outros tipos de meios de transporte e equipamentos que dependam de condução humana, incluindo, por exemplo, guindastes, empilhadeiras, barcos e aeronaves.
O ineditismo do produto
Com tecnologia 100% nacional, o etilômetro veicular já tem quatro pedidos de patente depositados e a Unidade Embrapii IF-Flu deverá dar entrada em outros seis até o fim deste ano. O ineditismo do projeto, cujo detalhamento está atualmente em segredo de mercado, envolve as áreas de software e design industrial.
Os grandes diferenciais do produto são as integrações do dispositivo, feitas diretamente com o motor do veículo e com os sistemas de telemetria e de monitoramento por vídeo. Para isso, a pesquisa contou com a cooperação das empresas Movieit Tecnologia, especializada em monitoramento de veículos por câmeras, Unitrac, empresa nacional do ramo de telemetria, e Mix Telematics.
“Nada disso seria possível sem o apoio da Embrapii. Se eu fosse fazer esse investimento por conta própria, o desenvolvimento do projeto seria inviável. Por isso, deixo aqui a mensagem, a outros pequenos empresários, de que a inovação pode ser acessível a todos, não é algo exclusivo para as grandes corporações”, pontua Ricardo Tostes.
O desafio da viabilidade comercial
Ao iniciar as pesquisas básicas, a SIGHIR Enterprise e a Unidade Embrapii IF Fluminense já sabiam que a ideia era inédita no Brasil e realizaram um levantamento com intuito de identificar possíveis projetos semelhantes ao redor do mundo. O grupo encontrou um etilômetro vendido por uma empresa sediada na Alemanha, porém, com valor próximo a R$ 15 mil, custo que, na avaliação dos pesquisadores brasileiros, inviabilizaria a comercialização.
Além disso, o bafômetro alemão traz desafios de utilização, uma vez que não oferece uma solução prática para as trocas dos sensores, quando estes vierem a esgotar a vida útil, e reposição dos canudos descartáveis, que possuem um bocal muito específico, obrigando o cliente a comprar o material de um único fabricante. O bafômetro europeu também mostrou-se ser em versão mais simplificada, sem possibilidade de integração a outros sistemas. Todas essas problemáticas foram solucionadas no protótipo nacional.
Além dos recursos avançados de software, o etilômetro produzido no Brasil possui baixo custo, com previsão de entrada no mercado por algo em torno de R$ 2 mil a unidade. Os sensores podem ser facilmente repostos, com ajuste semelhante a uma troca de pilhas. E o problema do bocal também foi resolvido, podendo funcionar com qualquer tipo de canudo plástico descartável.
“Além do equipamento alemão, que já está no mercado, sabemos que há outros projetos semelhantes no mundo, mas ainda em fase de testes. E, pelas informações que pudemos obter, nenhum deles é tão sofisticado em termos de interação de sistemas, como a versão que estamos produzindo. Estamos desenvolvendo uma solução inédita e vamos buscar as patentes”, destaca o professor Robson Santos, pesquisador responsável pela coordenação do projeto.
Processo humanizado
Como parte das pesquisas do projeto, os motoristas que iniciaram as testagens dos primeiros protótipos foram ouvidos pela equipe da Unidade Embrapii IF-Flu. O feedback dos condutores auxiliou o projeto. “Um dos condutores nos relatou, por exemplo, que a luzinha que ficava acesa no período de descanso do equipamento o impedia de dormir durante a noite, dentro da cabine da carreta. Então, nós alteramos as configurações para que o etilômetro pudesse permanecer totalmente apagado quando não estivesse em uso”, conta Robson Santos.
O professor conta ainda que as pesquisas básicas foram realizadas com apenas três alunos dos anos iniciais de Engenharia. Juntos, eles fizeram o primeiro protótipo: “Era algo muito simples, uma caixa de madeira. Mas, quando integramos à carreta e o motor não funcionou, foi um momento de muita comemoração. Hoje esses alunos, que nos auxiliaram na época da iniciação científica, estão trabalhando e trilhando o próprio caminho”.
Sobre a Embrapii
A Embrapii é uma organização social que atua em cooperação com instituições de pesquisa, públicas ou privadas, para atender ao setor empresarial, com o objetivo de fomentar a inovação na indústria. Para isso, conecta pesquisa e empresas, e divide riscos, ao aportar recursos não reembolsáveis em projetos que levem à introdução de novos produtos e processos no mercado. Para ter acesso ao modelo, a empresa deve apresentar seu desafio tecnológico à Unidade com a competência técnica que se enquadra às necessidades de seu projeto. A Embrapii possui contrato de gestão com o Governo Federal, por meio dos Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação, da Educação, da Saúde e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.