A partir de um alter ego, jornalista revisita um Brasil violento e decadente dos anos 1990
Em “Bas Fond”, Felipe Benício expõe desigualdades e abusos de poder por meio de um repórter na mira de crime que envolve a polícia do RJ
Quase como uma releitura do que viu e viveu na década de 1990, Felipe Benício leva o leitor a um verdadeiro passeio por uma Rio de Janeiro nem tão maravilhosa assim. No livro Bas Fond – Um conto urbano e suburbano, ele dá vida Mário Mariano, um jornalista no início da carreira que descobre um Brasil obscuro, recheado de abuso de poder e desigualdades sociais.
Sem muitas oportunidades de emprego, em uma época de recessão, o protagonista aceita trabalhar em um jornal que está prestes a falir; como repórter policial ele acaba por descortinar um crime que tem nomes importantes da polícia do RJ envolvidos, além de descobrir outros grandes problemas da capital carioca da época.
Intitulado a partir de uma expressão em francês, que remete a “submundo” ou “margens sociais”, o Bas Fond também é um passeio por lugares reais, que o autor carioca costumava visitar ou passar no caminho do trabalho, como o Catete, histórico bairro que, no passado, sediou o palácio da Presidência da República.
Confira a entrevista com o autor para saber mais sobre a trama e temáticas tratadas no lançamento:
1 – “Bas Fond” é protagonizada por um repórter policial que publica uma matéria exclusiva sobre um crime ocorrido no Rio de Janeiro. O que o inspirou a escrever esta história?
Felipe Benício: O Mário Mariano é, de fato, um “alter ego” meu. Comecei minha carreira no Última Hora, que está representado na trama como o jornal fictício Primeira Impressão. O personagem é um típico jornalista iniciante do começo da década de 90, uma época em que o país estava em recessão, com inflação alta e com oportunidades limitadas no mercado de trabalho. É muito fruto do que vivi pessoalmente.
2 – Para a ambientação da obra, você se baseou em lugares que via todos os dias, principalmente durante a década de 1990. Por que você decidiu falar sobre locais como o Catete, bairro histórico do Rio de Janeiro? Que reflexões você propõe ao falar sobre este lugar?
F.B: Por ter trabalhado na extinta Bloch Editores, frequentei muito o bairro na minha juventude. Procurei trazer algumas referências do local para o universo do livro, tentando mostrar alguns pontos icônicos da região, como o Outeiro da Glória, para a trama. Tentei trazer para o livro o ambiente da região, não só o Catete mas também Largo do Machado e Glória, focando em uma população de classe média baixa, que enfrenta, no dia-a-dia, dificuldades financeiras e dilemas morais, como é o caso da Cida, mãe do Mário Mariano, que se envolve com um bicheiro poderoso por desejar ter uma vida mais confortável.
3 – No livro, você apresenta a perspectiva de que o Rio de Janeiro é uma cidade que “já deixou de ser maravilhosa”. Como esta ideia está inserida na obra?
F.B: Exatamente pelas dificuldades que os personagens enfrentam, em um ambiente violento, com uma política corrupta e uma cidade dominada por traficantes e bicheiros.
4 – A obra conta com flashbacks que acontecem em Belém, na década de 1960. Por que você escolheu esta região e período?
F.B: A escolha foi motivada por ter ouvido falar, na época em que fui repórter de política, de uma “gerente” de uma sala de massagem localizada em um prédio comercial no Largo do Machado, que seria paraense. Daí, tive a inspiração para desenvolver este trecho da trama, que mostra a trajetória da personagem Maria do Desterro, desde a infância no interior do Pará, passando pela capital, Belém, até chegar já adulta ao Rio de Janeiro.
5 – “Bas Fond” é o primeiro livro de uma série que acompanhará o protagonista, Mário Mariano, em momentos-chave da história brasileira. O que podemos esperar dos próximos lançamentos?
F.B: Neste primeiro livro, Mário Mariano é um repórter iniciante, e trabalha em um jornal decadente. No final da história, ele é sondado por uma jornalista experiente para ir trabalhar em um veículo de prestígio. As continuações – que imagino terem intervalos de uma década cada uma – mostrarão a evolução da carreira dele. O próximo livro já tem título: “High Society”, e trabalhará temas análogos, como prostituição de luxo e corrupção policial, mas já entrará numa seara política, apenas pincelada no final de Bas Fond.
A partir daí, conforme a carreira de Mario Mariano avança, a ideia é falar de milícias, eleições, privatizações e, finalmente, no livro que encerra a série, ambientado no final dos anos 2020, imagino uma distopia. Uma história em que Mário Mariano já está aposentado, mas colabora para um veículo nativo digital. O Brasil – com a vitória de um projeto conservador e reacionário nas eleições de 2022 se torna um país de castas, com alguns segmentos privilegiados, como militares, mercado financeiro, telepastores e milícias. Mário Mariano vai atrás de uma denúncia e acaba publicando uma reportagem que derruba o governo e permite recolocar o país na rota democrática.
Sobre o autor: Jornalista com especialização em Comunicação Corporativa pela ESPM-Rio, o carioca Felipe Benício atualmente é responsável pela área de relacionamento com a mídia da Vibra. Durante a carreira, trabalhou como repórter de vários veículos de comunicação, como Última Hora, Rádio Manchete e Bloch Editores – que serviram de inspiração para a publicação do primeiro livro “Bas Fond – Um conto urbano e suburbano”.