Planejamento sucessório em empresas familiares: lições das trajetórias de Silvio Santos e Abilio Diniz
Por Adriana Caldeira
A morte de grandes empresários como Silvio Santos, na madrugada do último sábado, 17 de agosto, reacende a importância de refletir sobre o planejamento sucessório em empresas familiares. O caso ilustra o quão essencial é preparar a sucessão para garantir a continuidade e a harmonia dentro das famílias empresárias.
Silvio Santos, ao longo de sua vida, demonstrou preocupação com a sucessão de seu vasto patrimônio, estimado em R$ 1,6 bilhão. De acordo com informações divulgadas pela Record TV, em vida, ele deixou clara a divisão de seus bens, distribuindo o montante entre suas seis filhas e sua esposa, Íris Abravanel, de forma a evitar disputas e garantir que o legado do SBT e outros negócios permaneçam intactos.
Outro exemplo recente é a trajetória de Abilio Diniz, morto em fevereiro deste ano. Abilio transformou a confeitaria de seus pais em uma das maiores redes de supermercados do Brasil.
As duas mortes trazem à tona a necessidade de refletir sobre a sucessão empresarial, especialmente em um país onde cerca de 90% das empresas são familiares, empregando 75% da mão de obra e representando 50% do PIB. Entretanto, estudos do Banco Mundial revelam que apenas 30% dessas empresas sobrevivem até a terceira geração e apenas 15% chegam à quarta.
Para superar essas barreiras e se equiparar cada vez mais ao cenário mundial, é indispensável pensar no planejamento sucessório para a sobrevivência dessas empresas, em conjunto com regras de governança, a fim de promover o diálogo entre os membros envolvidos e a formação de novos líderes.
A EY e a Universidade de St.Gallen emitiram estudo, em 2023, acerca do índice de empresas familiares no mundo e destacaram que as 500 maiores empresas desse gênero geram coletivamente US$ 8,02 trilhões em receitas e empregam 24,5 milhões de pessoas em todo o mundo. A maior concentração de empresas familiares está situada na Europa, Oriente Médio, Índia e África (Emeia).
A Alemanha, conforme apontado no estudo, representa 31% das empresas da Emeia e naquele país as empresas familiares têm como média de duração 109 anos. No geral, elas têm mais de um século e 57% delas estão concentradas na Europa. A empresa familiar mais antiga, aferida nesse estudo, é japonesa e está atuando no mercado há 412 anos.
Os Estados Unidos, por sua vez, têm um número bem mais reduzido de empresas familiares do que a Emeia (23,6%), mas concentra sete das 10 maiores empresas familiares do mundo, o que praticamente iguala as receitas das regiões. O estudo aponta, ainda, que 66%, ou seja, dois terços das empresas familiares atuam no setor de bens de consumo ou manufatura e mobilidade avançada.
Foi observado também que para quase metade das empresas (45%) um dos membros da família ocupa a posição de CEO e 25% dos assentos no Conselho são compostos por membros da família. A idade média do membro do Conselho Familiar, em 2023, era de 62 anos.
Retornando ao nosso país, o Brasil tem avançado nos últimos anos acerca do planejamento sucessório, tanto no âmbito das pessoas jurídicas, quanto das pessoas físicas. Em relação às pessoas físicas, observamos que com o evento da pandemia pela COVID-19, a questão ficou mais evidente e somente naquele ano a quantidade de testamentos celebrados aumentou 41%.
Em relação às empresas, o objetivo primordial do planejamento sucessório é a sua preservação e continuidade diante da falta de seu sócio-fundador, considerando que, em regra, é a base do negócio familiar do sócio ou acionista e, muitas vezes, configura o sustento de inúmeras famílias que estão vinculadas àquele negócio. Além disso, busca-se, dentre outros objetivos, preservar a autonomia da vontade de seus fundadores, evitar litígios familiares e amenizar a carga tributária.
A autonomia da vontade deve ser prestigiada, a fim de permitir aos sócios acordarem os termos em que se darão a sua sucessão futura, regulando o efeito sobre os herdeiros existentes e futuros herdeiros, efeitos sobre a sociedade e sócios remanescentes e a possibilidade ou não de substituição dos sócios e as suas regras.
O planejamento sucessório empresarial está pautado além da organização das empresas em holdings patrimoniais e operacionais, na elaboração de instrumentos acessórios, tais como acordos de acionistas e quotistas, a fim de estabelecer, dentre outras, as regras de compra, venda, transferência das ações e quotas da sociedade, a criação de quotas preferenciais e a sua transformação por ocasião do falecimento dos sócios, a instituição de regras concernentes à administração e a criação de conselhos de administração, dentre outros.
É preciso também incorporar as regras de governança corporativa com a divisão dos papéis em relação à representatividade do sócio majoritário no Conselho de Administração, Reuniões de Sócios e Conselhos Familiares. Além disso, é aconselhável um plano de ação para instituição de cargos de liderança, com a alocação de eventuais sucessores ou de profissionais especializados que tenham conhecimento da operação da empresa, observadas a todos eles as mesmas regras e políticas existentes em relação aos outros funcionários. Isso permitirá que sejam avaliados e desenvolvidos novos líderes que assumirão a instituição por ocasião do momento da transição.
Os interesses dos herdeiros e dos sócios remanescentes devem ser convergentes, sendo possível previamente estabelecer-se a melhor solução, a fim de conservar de forma eficiente os direitos patrimoniais de todos e perpetuar as sociedades originadas por seus antepassados.
Com isso, o Brasil poderá cada vez mais se aproximar dos demais países e preservar as sociedades familiares que correspondem à grande força motriz da economia nacional.
* Adriana de Almeida Orte Novelli Caldeira é advogada especialista em Direito Societário do PG Advogados inscrita na OAB/SP desde 1994 e membro do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo desde 2014. É ainda mestre em Direito Civil pela PUC – SP.