O Direito do Trabalho é especialíssimo quanto ao seu campo de atuação e proteção destinada aos contratos com vínculo de emprego. Ao longo dos anos, todavia, foi ampliando sua base de proteção e alguns direitos, antes exclusivos para empregados, tais como diretores de empresa, trabalho temporário, avulso, cooperados. E, a cada dia, percebe-se uma força incontida do seu campo de proteção trabalhista, amparando situações especiais com fundamentos jurídicos em seus princípios ou na dignidade da pessoa humana, tal como ocorreu com a proteção de trabalhadores com diagnóstico positivo para HIV, ou mais recentemente com algumas decisões que sustentam a redução de jornada de trabalho sem prejuízo da remuneração para empregados com filhos diagnosticados com transtorno do espectro autista (TEA).
Talvez seja essa finalidade da legislação social, roupa feita para todos, mas que em alguns momentos precisa de ajustes.
No caso de empregada gestante, a Constituição assegurou a garantia de emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto (artigo 10, II, “b”, do ADCT), com a garantia pela legislação previdenciária de percepção de “salário-maternidade” durante o período de afastamento. Os conflitos surgidos nesta seara decorrem do fato de que nem sempre o empregador tem conhecimento da condição de gravidez da empregada por ocasião da dispensa. Portanto, as discussões giram em torno dos efeitos na reparação do período de garantia de emprego, frustrado com a dispensa imotivada e a recusa da empregada de retornar ao trabalho, quando ainda é tempo. Os sindicatos, por sua vez, chegam a convencionar normas coletivas impondo à gestante a obrigação de comunicar o empregador, com a finalidade de evitar litígios.
A jurisprudência trabalhista se consolidou, no sentido de que a gravidez gera o direito do nascituro à garantia prevista em lei, impondo à gestante óbice cristalino de transigir quanto à garantia destinada ao nascituro.
Merece destaque decisão recente do TST, pela sua 5ª Turma, em voto da lavra do ministro Breno Medeiros (RRAg-1001586-10.2018.5.02.0013) publicado nas suas notícias em 30/8/24, em que, ao abordar cláusula de convenção coletiva que impõe à empregada a obrigação de comunicar o empregador sua gravidez, invocou, em seu fundamento, dois aspectos extremamente relevantes.
O primeiro aspecto remete ao direito do nascituro e sua proteção, afirmando que “o direito à estabilidade da gestante, está direcionado também à proteção do nascituro (ou do menor adotado, a partir da inclusão do art. 391-A à CLT pela Lei nº 13.509/17, vigente desde 23/11/2017), e não exclusivamente à mulher grávida/puérpera (ou adotante), possui contornos de indisponibilidade absoluta, na medida em que o objeto da proteção constitucional é indivisível, pelo que a disposição de tal direito pela mãe não pode produzir prejuízo inafastável ao sujeito de direitos que é incapaz de manifestar de forma plena e válida o seu consentimento. Ou seja, em que pese seja válida a norma coletiva que limita ou restringe direito trabalhista que não fira de forma imediata um patamar civilizatório mínimo, no caso concreto há inconstitucionalidade do que foi avençado coletivamente, na medida em que se dispôs sobre direito de terceiro não sujeito à vontade da trabalhadora, tampouco do sindicato, que desbordar os limites de sua missão constitucional de legítimo representante de classe ou categoria. Como o direito constitucional em questão é direcionado primordialmente do nascituro, o qual, não pode ser representado pelo sindicato ao negociar contra os seus interesses, a norma coletiva não pode prevalecer…”
O segundo aspecto trazido pela decisão, de caráter normativo, diz respeito à validade da norma coletiva que, conforme o Tema 1.046, do STF, teria transigido com direito constitucional indisponível. No caso, tratando-se de direito direcionado ao nascituro, não pode ele ser representado pelo sindicato porquanto se trata de direito de indisponibilidade absoluta, de natureza indivisível.
Se levada ao extremo a orientação do citado acórdão, o direito ao período de licença-maternidade seria pago em qualquer hipótese, inclusive na justa causa, tratando-se de direito de natureza indivisível, dirigido ao nascituro. Tal argumento estaria, também, a justificar o reconhecimento do direito em término de contrato de prazo.
Mutatis mutantis, a empregada gestante poderá agir como se titular do direito fosse, quando se tratar de pedido de demissão, ocasião em que deve ser assistida pelo sindicato de classe ou autoridade competente.
Como se vê, os fundamentos do reconhecimento do direito à licença-gestante, salário-maternidade e os efeitos sobre a titularidade do nascituro no gozo desse direito nos remete à reflexão de que há, de forma inquestionável, uma contaminação recíproca na forma de proteção trabalhista.
* Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.