Em coletânea de breves contos recém-lançada, jornalista ilustra devaneios, expectativas e decepções de sua geração; obra conta com paratextos de André Carvalhal e Nathália Levy
“Que me desculpem os defensores da ideia de que o vácuo é uma resposta. O vácuo, além de oco, é para onde vão as palavras mortas, jamais colocadas em diálogo, descobertas de seus disfarces. É onde permanece o nunca-dito: e prefiro mil vezes a ideia de um não-dito que o nunca-dito.”
(Trecho do livro, da pág. 93)
O autor Lulu Mendes (@luluumendes) celebra o lançamento de “Magia do Desejo Suave” (120 páginas, Editora Minimalismos), sua estreia na autoficção. O livro reúne 19 narrativas breves e explora a identidade, o luto e o vício do narrador e seus personagens em diferentes ângulos e situações. A obra conta com texto de orelha assinado pelo autor e consultor André Carvalhal e com posfácio da colunista Nathalia Levy.
“Magia do Desejo Suave” transita entre o memorialismo e o ensaio, oferecendo um retrato cômico e dramático sobre o desejo e pontuações sobre a vida moderna. “Esses temas emergiram naturalmente durante o processo criativo, quase como se fosse um exercício de ouvir, viver e contar as histórias que a vida me impôs nesse período”, explica o autor.
A obra foi pensada em três partes que estão diretamente relacionadas ao ato de fumar. “Acender”, “Tragar” e “Apagar” são gestos que traduzem, também, como o desejo toma conta do indivíduo, o consome e muitas vezes se esvai. E assim o livro foi idealizado: como “quem conta um segredo a um estranho”. Um hábito típico dos fumódromos nos bares e festas.
O livro apresenta personagens em situações tanto prosaicas quanto insólitas. Entre as histórias, um senhor na biblioteca busca descobrir as origens da literatura, mas é impedido pela burocracia de um cadastro; uma mulher é atormentada pela imagem de seu ex-amante numa festa infantil; um menino coleciona embalagens para se lembrar de que um dia o conteúdo lhe pertenceu; e Elvis Presley embala as noites de um homem cristão no sofá da sala.
As histórias que compõem “Magia” articulam, entre outras coisas, como a internet afetou o comportamento popular ao reagir uma fofoca e também o “ghosting”, termo empregado para pessoas que desaparecem sem explicação após um encontro.
“A experiência online aparece em vários momentos da obra. Não como objeto de análise, como às vezes costuma surgir em produções que anseiam denunciar as consequências do fenômeno digital na contemporaneidade, mas com a naturalidade de quem vive as dores e as delícias de fazer parte de uma geração que consome telas da mesma forma que o ar”, escreve a colunista da ELLE Nathalia Levy em seu posfácio.
Com essa mesma precisão, pontuada pela jornalista, o autor reflete períodos de transições políticas, como as eleições de 2022, retratada em “Festival das Luzes” (página 72); e sociais como em “Procura-se o óbvio” (página 62).
Lulu Mendes nasceu em Campinas (SP) e cresceu em Hortolândia. Em 2016, mudou-se para São Paulo para estudar jornalismo na Universidade FIAM-FAAM e trabalhou no mercado de moda entre 2017 e 2020, contribuindo na frente de comunicação e conteúdo de publicações e marcas. Atualmente colabora em projetos jornalísticos e publicitários para a Globo pela Agência Canarinho.
Um livro que surgiu no Fumódromo, uma newsletter
Entre 2022 e 2023, o autor alimentou uma newsletter chamada “Fumódromo”. Foi a partir desse projeto que Lulu desenvolveu a escrita do presente lançamento. Ao dar maior atenção para o material produzido na plataforma que mescla blog com entrega de e-mail para assinantes, o autor se encantou com o potencial literário que tinha em mãos e partiu em processo de retrabalho.
“Comecei a escrever algo ‘novo’ [após a newsletter] que, por acaso, repetia os mesmos temas das histórias publicadas.. Como se ainda não os tivesse superado, ou como se precisasse continuá-los. Sabe essa sensação de inacabamento? Para um taurino como eu isso é a morte”, conta. “Então, em vez de continuar esse novo projeto, decidi que olharia com mais calma para tudo que foi produzido nos últimos anos.”
Lulu é diretamente influenciado pelos romancistas universais do século 20: Franz Kafka, Virginia Woolf e Herman Hesse, além de Nelson Rodrigues, a quem presta reverência. O absurdo cotidiano que permeia a obra de Kafka, por exemplo, é explícito e menos fantástico.
Foi no Ensino Médio, dez anos atrás, que escreveu seu primeiro livro: “As trágicas consequências de se apaixonar”, publicado em e-book, em uma época em que o dispositivo Kindle não era tão popular. Trata-se de uma coletânea de crônicas, escritas como a captura dos ímpetos e questionamentos da sua geração.
Sua newsletter ainda existe — em formato diferente, Lulu dispara crônicas e outros ensaios. Hoje, avista um projeto que conta com estrutura e personagens razoavelmente maduros, mas ainda estuda (e deixa fluir) os rumos possíveis para sua trama. Também ambiciona escrever uma comédia para o teatro algum dia.
Leia um trecho de “A Magia do Desejo Suave”:
“O show perfeito da sua cantora pop favorita em um festival de música é a história pomposa que você vai escrever em uma rede social; o show de horrores onde a cantora pop entra no palco armada e mata a fogo sua plateia é o insólito que pode conceber uma obra-prima da literatura ou do drama. Algumas hipóteses criadas no campo imaginário são aceitáveis apenas em livros e filmes, porque se são contadas numa mesa de bar você corre o risco de parecer carente de atenção ou psicopata, duas coisas que, nessa época, parecem indissociáveis.” (pág. 102)
Adquira “Magia do Desejo Suave” pelo site da editora Minimalismos:
https://www.editoraminimalismos.com/product-page/magia-do-desejo-suave-de-lulu-mendes