Prevenção de perdas poderia ser revertida para ações sociais. Desperdício chega a 30%.
Hoje a fome já atinge 33,1 milhões de pessoas no Brasil. Os dados são da rede Penssan com apoio da Oxfam Brasil e outras organizações, que mostram que a situação piorou muito desde a publicação dos primeiros dados, em 2021. Com relação a prevenção de perdas de alimentos, hoje existem várias técnicas de conservação, como a refrigeração, mas há também a exposição à radiação ionizante, menos comentada aqui no Brasil, porém uma realidade muito comum em países como Estados Unidos, México, Austrália e vários países da Ásia. Trata-se de uma técnica segura e simples, uma vez que o produto pode ser tratado já na sua embalagem final e nenhuma adição química é realizada.
“O Brasil desperdiça mais de 30% de tudo que é produzido. Se tivéssemos irradiando os alimentos, assim como é feito em vários países desenvolvidos, não estaríamos desperdiçando tantos alimentos, o que é um absurdo”, comenta Patricia Wieland, consultora da ABDAN, Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares.
A área de irradiação de alimentos começou há muitos anos no país e o Brasil tem capacidade técnica para evoluir e entrar no circuito mundial de exportação de alimentos tratados com radiação. O tratamento de alimentos com radiação é uma oportunidade para vários setores e uma rede colaborativa com apoio de associações, como a Abdan, pode contribuir para alavancar o seu desenvolvimento. Tratar alimentos com radiação, além de prolongar sua vida útil, é um processo limpo e seguro, e os alimentos tratados com radiação são naturais, saudáveis e permanecem frescos por mais tempo. Quem endossa e desmistifica a iniciativa é doutora em Engenharia Industrial (PUC), Física e Mestre em Ciências Físicas (UFRJ), Patricia Wieland.
“Essa modalidade no Brasil ainda não é uma realidade em larga escala, mesmo tendo o arcabouço legal bem estabelecido pela ANVISA, Comissão Nacional de Energia Nuclear e Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. Hoje já podemos contar com equipamentos modernos que não dependem de uma fonte radioativa de cobalto-60, que é cara, escassa e tem um transporte complexo, mas sim, utilizam a eletricidade para produzir feixes de elétrons e raios-X. Essa iniciativa é fundamental para um futuro sustentável; porém o país precisa de apoio e programas do governo para se desenvolver, inclusive em escala industrial nas várias regiões produtoras de alimentos ”, afirma Patricia.
Mercado: potencial investidor para realizar esse tratamento são indústrias que já fazem conservação
Uma grande ênfase é na área econômica e social, ao evitar perdas e desperdício de alimentos, inclusive está ligado a um dos objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas – a meta até 2030 é reduzir pela metade as perdas e desperdício. Está também relacionado aos objetivos do Plano de Fruticultura de aumentar o consumo interno de frutas, assim como a exportação, passando dos atuais US$ 1 bilhão (em 2021, de acordo com a Abrafrutas) para cerca de US$ 2 bilhões. “Mas ainda é pífio o que o Brasil exporta comparado com Peru e México, por exemplo. O Brasil é terceiro produtor mundial de frutas, perdendo para a China e a Índia, mas apenas o 23º em exportação. Com o tratamento de alimentos com radiação poderia ter um escoamento de produção maior e está perdendo espaço para mercados emergentes que estão com capacidade crescente de irradiação de alimentos, reduzindo custos com logística e evitando as barreiras fitossanitária .”
Patricia explica que para cada alimento existe uma solução dedicada, cada uma com um tipo de investimento e negócio. “Quando a gente lida com alimentos, é preciso manter uma cadeia de frio, tem que ter áreas refrigeradas, todas as salas tem que ser controladas para umidade, temperatura, etc. Aqui no Brasil temos muitos galpões de logística que têm essa capacidade. Um potencial investidor para realizar esse tratamento é aquela indústria que já realiza a conservação de alimentos e está localizada próximo à área de produção ou a caminho dos portos e aeroportos, para facilitar o escoamento para exportação. Esses seriam os maiores interessados em prestar esse tipo de serviço de forma comercial e para múltiplos tipos de alimentos ou produtos do setor agropecuário. Quem tem demanda suficiente de produtos a serem tratados poderia adquirir seu próprio irradiador e se beneficiar do valor agregado e dos custos de oportunidade. Entretanto, em termos de prestação de serviço de irradiação, conectar empresas produtoras interessadas, com as que já possuem alguma infraestrutura de logística de refrigeração, empacotamento e rotulagem e que almejam exportação seria o ideal e iria baratear essa solução no Brasil, já que a instalação com o equipamento é capital intensivo, mas o investimento retorna em pouco tempo”, detalha.
*Patricia Wieland é Vice-Presidente do Conselho de Administração da Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional S.A. (ENBPar) e membro do Conselho Curador da ABDAN, Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares. Foi consultora do MAPA em plano de negócios para tratamento de alimentos com radiação.