O Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (SINDPESP) é contra o anteprojeto da Lei Geral de Proteção de Dados Penal (LGPD Penal), elaborado na Câmara dos Deputados, e que, se aprovado, representará o fim da prevenção e repressão a crimes no Brasil, por praticamente inviabilizar a coleta de dados para fim de investigação criminal.
“Além de ter diversos vícios insanáveis de inconstitucionalidade, o referido anteprojeto traz dispositivos que retardam e até inviabilizam a investigação policial, por criar barreiras burocráticas inexistentes hoje”, explica a presidente do SINDPESP, Raquel Kobashi Gallinati.
O texto, que define normas para coleta e uso de dados por órgãos de Segurança, foi concluído por comissão de juristas em novembro e aguarda atribuição de relatoria para começar a tramitar como projeto de lei na Câmara dos Deputados.
O anteprojeto foi alvo de um manifesto das entidades nacionais civis e militares da área de segurança pública, que conta com total apoio do SINDPESP. Assim o documento:
ADEPOL do Brasil – Associação dos Delegados de Polícia do Brasil
Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal – ADPF
Confederação Nacional dos Trabalhadores Policiais Civis – COBRAPOL
Federação Nacional dos Oficiais Militares Estaduais – FENEME
Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal – FENADEPOL
Federação Nacional dos Delegados de Polícia Civil – FENDEPOL
“As entidades da área de segurança farão um esforço nacional para impedir que esse anteprojeto se torne projeto de lei e o Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo une forças às entidades nacionais para que este anteprojeto, que dificulta a investigação e facilita a impunidade, seja aprovado”, conclui Raquel Gallinati.
Leia a íntegra do manifesto:
ALERTA GERAL À NAÇÃO SOBRE O NEFASTO ANTEPROJETO DA LGPD PENAL: O FIM DA PREVENÇÃO E REPRESSÃO A CRIMES NO BRASIL
INTRODUÇÃO
As entidades subscritoras deste documento, representativas de categorias da segurança pública nacional, vêm à sociedade brasileira e aos eminentes parlamentares do Congresso Nacional alertar sobre a total impertinência e retrocesso que pode significar a aprovação do conteúdo do anteprojeto da Lei Geral de Proteção de Dados Penal.
O documento possui um conjunto de proposições de normas inviabilizadoras de qualquer trabalho de pesquisa, acessibilidade e apuração desenvolvido por profissionais de segurança pública no Brasil, criando-se até mesmo responsabilidades de natureza civil e disciplinar alheias aos estatutos próprios das corporações, além de dificultar demasiadamente o acesso e uso de bancos de dados em investigações e atividades de segurança pública como um todo, conforme apontamentos a seguir.
O referido anteprojeto está eivado de vícios insanáveis de inconstitucionalidade, ao longo de diversos artigos. Um dos mais graves é a transformação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ em órgão de controle externo de atividades de acesso aos dados pelos profissionais de segurança pública. Dentre as atribuições do CNJ, previstas no capítulo do Poder Judiciário, conforme definido pela Constituição Federal, não se encontra a atividade de controle externo das polícias e das forças de segurança pública.
Note-se o artigo 103- B, § 4º, da CRFB de 88, in literis: ” § 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: … ” (grifo nosso).
O controle externo da atividade de Polícia Judiciária é feito pelo Ministério Público e não pelo CNJ, ou pior, como propõe o Anteprojeto, por um setor de controle chamado Unidade Especial de Proteção de Dados em Matéria Penal (UPDP).
2.
Tal dispositivo cria, além dos controles existentes, um intermediário administrativo controlador – entre a autoridade que preside as investigações e a empresa privada detentora do dado – o que retarda e pode até inviabilizar a ação policial eficiente com toda uma nova burocracia que, hoje, é inexistente.
Isso trará, por exemplo, às vítimas de diversos crimes contra os direitos humanos maior risco de morte ou prolongamento de sofrimentos, com o retardo de seu resgate. Como sabido, a principal ferramenta moderna para a prática de crimes desta natureza está nas redes sociais. A vida e a salvação das vítimas dependem de um acesso rápido das autoridades policiais aos dados envolvidos na ocorrência criminal eletrônica.
Não se defende aqui a ausência de controle, pois qualquer acesso indevido já é sujeito aos controles internos e externos e ao próprio Judiciário, pelas vias ordinárias. Ademais, já existem punições penais, civis e administrativas, suficientes para reprimir qualquer má conduta, conforme previsto no artigo 325 do Código Penal e diversas normas disciplinares descritas em estatutos das forças policiais.
3.
Em vários pontos, o anteprojeto se mostra prejudicial à celeridade da atividade investigativa e de preservação da ordem pública através de meios tecnológicos baseados em banco de dados.
Destacam-se, neste sentido, os artigos 11 e seu § 1º, além do 14 e seu § 2º, onde se prevê até mesmo a necessidade de “ordem judicial prévia baseada em indícios de envolvimento dos titulares de dados afetados em infração penal e na demonstração de necessidade dos dados à investigação, na forma da lei”. Ou seja, o que antes era feito diretamente na dinâmica operacional das forças de segurança pública, agora ganha desnecessárias burocracias para acesso e “tratamento de dados”.
4.
Uma das principais ferramentas tecnológicas da investigação cibernética, em termos de técnica de checagem, monitoramento e pesquisa de open source (fontes abertas) é atacada pelo § 1º do artigo 15, quando se diz que “É vedado o acesso automatizado e massificado a quaisquer documentos, como provas colhidas, peças processuais, laudos periciais e documentos análogos dos autos, salvo aos atos decisórios.”(grifo nosso).
Como se sabe, a atividade de segurança pública depende em seus trabalhos de análises de dados em massa, feitas de maneira impessoal e profissional, de acordo com protocolos doutrinários próprios e que devem convergir com a legalidade e respeito à privacidade, mas que são extremamente eficazes nas chamadas investigações proativas.
Observe-se que, atualmente, de acordo com a lei 12.850/2013 (ORCRIM), em seu artigo 15, o ” delegado de polícia e o Ministério Público terão acesso, independentemente de autorização judicial, apenas aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito”.
Já na Lei de Lavagem, 9.613/98, artigo 17-B, “A autoridade policial e o Ministério Público terão acesso, exclusivamente, aos dados cadastrais do investigado que informam qualificação pessoal, filiação e endereço, independentemente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet e pelas administradoras de cartão de crédito.”
Ou seja: o anteprojeto da LGPD para atividades de persecução penal e de segurança pública iria colidir com tais dispositivos previstos em legislações que já trazem tais mecanismos de obtenção de informações e com critérios rigorosos.
5.
Dessas maneiras, o anteprojeto fere não só a Constituição, mas toda uma sistemática jurídica consolidada e testada no combate ao crime no país. Cria um ambiente hostil à cooperação com a prevenção e repressão de delitos.
É posta por terra até mesmo a grande evolução legislativa histórica no combate ao tráfico de pessoas prevista na lei 13.344/16, quando acresceu ao nosso Código de Processo Penal o artigo 13-A e 13-B, onde se diz: “13-A. Nos crimes previstos nos arts. 148, 149 e 149-A , no § 3º do art. 158 e no art. 159 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) , e no art. 239 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) , o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderá requisitar, de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas da iniciativa privada, dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos”.
6.
Importante destacar ainda que a comissão de juristas que elaborou o referido anteprojeto não conta com um único representante das entidades de classe de âmbito nacional da segurança pública que pudesse apresentar os sérios problemas trazidos no texto idealizado para as atividades de investigação e segurança pública.
Não se compreende a motivação dessa ausência, uma vez que surgiram no texto conceitos que atingem frontalmente as instituições previstas no artigo 144 da Constituição Federal, caracterizando-se um dos mais gravosos retrocessos ao combate à criminalidade neste país, já flagelado por indicadores crescentes.
7.
Por derradeiro, conclamamos aos líderes partidários, à sociedade civil, à opinião pública e a todos os parlamentares que rejeitem o anteprojeto, em sua íntegra, totalmente desconectado das necessidades cada vez mais prementes das forças de segurança pública deste país.
As instituições não necessitam de um verdadeiro código da impunidade, mas sim de legislação que resguarde os direitos fundamentais, mas também fortaleça efetivamente o combate à criminalidade.
Brasília, 09 de dezembro de 2020.
ADEPOL do Brasil – Associação dos Delegados de Polícia do Brasil
Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal – ADPF
Confederação Nacional dos Trabalhadores Policiais Civis – COBRAPOL
Federação Nacional dos Oficiais Militares Estaduais – FENEME
Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal – FENADEPOL
Federação Nacional dos Delegados de Polícia Civil – FENDEPOL