Água para todos: além do consumo humano, é preciso pensar na biodiversidade

Por José Roberto Manna*
A incontestável importância da água – seu uso essencial e a necessária proteção – ganha força no momento em que a aldeia global de seres humanos vive sob os impactos da pandemia. A eficaz solução neste momento ainda é a prevenção que inclui a segurança de um gesto simples – lavar as mãos. Água limpa e disponível a todos é o que chamamos de saneamento básico. No Brasil esta é uma grande demanda e um raro consenso. No país mais rico em água doce no planeta há 35 milhões de pessoas que utilizam este recurso sem tratamento, 100 milhões sem esgoto – ao mesmo tempo que desperdiçamos bilhões de metros cúbicos a cada ano com prejuízos econômicos bilionários. Trata-se também de uma situação que produz um outro consenso nacional em apontar um culpado: o governo, para em seguida lavarmos as mãos, novamente.

Mas ainda que o desperdício maior seja na distribuição, quase todos nós em algum momento do dia excedemos nos gastos de água na higiene pessoal, na limpeza de casas, nas calçadas, na agricultura, na indústria. É o mesmo para o esgoto tratado que demanda obras de infraestrutura com recursos públicos. O fato é que não precisaríamos nem sequer esperar por isto, pois para muitos brasileiros o tratamento pode ser instalado em cada quintal a um custo menor que um celular popular por meio de técnicas simples de esgotamento sanitário com filtragem, utilizando plantas, por exemplo. Melhor seria então assumir com coragem o fato de que a culpa não é somente do governo que elegemos, mas sim responsabilidade de todos.

E como tais responsáveis é fundamental analisarmos com cautela e ponderação o que os nossos representantes – os servidores públicos – planejam por meio do Marco Regulatório do Saneamento. Comecemos nossa análise: Quem deve ser o responsável em prover o saneamento básico? O poder público que em sua experiência não produziu o mínimo necessário deste e de tantos outros serviços essenciais? A iniciativa privada que poderá precificar a água, ainda que esta seja o elemento essencial à vida? Vender e lucrar muito com algo pronto, literalmente minerado, extraído da natureza e mais precioso que qualquer diamante? O Marco Regulatório lança um desafio à nossa cultura política para decidir e cobrar um caminho eficaz ao interesse coletivo.

A estas perguntas soma-se um fato: a quantidade de água realmente disponível para o consumo humano em cada município, em cada estado e no país ainda é uma incógnita.

Além de nós, as plantas e outros animais, domesticados e silvestres, e microorganismos precisam de água. Então a pergunta para a ciência é: quanto de água realmente dispomos, considerando que, talvez, existam neste planeta 100 milhões de espécies vivas e que sem exceção todas se hidratam? A resposta encontra-se na junção de muitas áreas do conhecimento científico por meio um estudo de parceria privada entre a Fundação Toyota do Brasil e a Fundepag (Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa do Agronegócio) na Serra da Mantiqueira, a 8ª área mais rica em biodiversidade no mundo com um dos maiores estoques de água mineral.

Biólogos da Conservação que integram o Projeto Águas da Mantiqueira estudam a vida silvestre identificando espécies, sua localização, quantidades e comportamento , associam seus dados ao trabalho de engenheiros que avaliam a qualidade da água e sua dinâmica em meio a vegetação natural como sua perfeita embalagem complementado por avaliações dos solos ao longo dos rios, seus componentes e características, e condições de salubridade que permitam nutrição às plantas e estas à fauna.

O projeto estabelece uma conexão entre a iniciativa privada e o setor público. Os dados obtidos em pesquisa são organizados para que prefeituras municipais possam elaborar seus planos diretores considerando a utilização da água nos espaços urbanos, rurais e para as áreas silvestres. Assim, formata-se a gestão territorial em que a água e a biodiversidade são efetivamente reconhecidas como patrimônio coletivo com a responsabilidade de cuidados por toda a comunidade.

Ao compor este quadro como um quebra-cabeças, juntando as partes num cenário completo, procura-se quantificar o consumo de cada espécie e a quantidade necessária de água para manter todos vivos em um procedimento metodológico chamado estimativa de vazão ecológica em uma linha que inclua todos os componentes de um habitat. O resultado será volume de água disponível – uma matemática da parcimônia – que nos proverá a segurança de manter todos vivos, seres humanos inclusos, conduzindo gestores públicos e privados a um planejamento que descentralize a coleta e incentive o consumo consciente.

Com este cálculo precisaremos então irrigar corações e mentes de governos e empresas para escolherem de forma justa e equilibrada os caminhos do saneamento básico sustentável e socialmente justo.

*José Roberto Manna é Coordenador Técnico Projeto Águas da Mantiqueira (Fundação Toyota do Brasil & Fundepag)

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