Por unanimidade, a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (2CCR/MPF), que atua na matéria criminal, homologou nessa segunda-feira (5) o arquivamento de inquérito policial contra a estudante da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa) Ana Flávia Lira.
O inquérito apurou acusações de calúnia, difamação, ameaça e associação criminosa após críticas da aluna à reitora da universidade, Ludimilla de Oliveira.
No dia 02/10/2020, foi juntada aos presentes autos comunicação da decisão do Juiz da 8ª Vara Federal – RN, proferida no Processo n° 0801241-16.2020.4.05.8401 (referente à denúncia oferecida contra a Reitora Ludmilla Carvalho Serafim de Oliveira pela prática do crime de denunciação caluniosa), em que o Magistrado considera que a promoção de arquivamento ora em análise está em desconformidade com a lei vigente (pois foi realizado internamente, sem a submissão ao crivo do Poder Judiciário, que atua nesse caso como fiscal da obrigatoriedade da ação penal pública), bem como em desacordo com o procedimento legal inquisitivo (pois realizado antes da conclusão das investigações e da elaboração do relatório policial).
O órgão revisor ratificou que o MPF em Mossoró, por meio dos procuradores da República Emanuel Ferreira e Camões Boaventura, atuou de forma legal e adequada no caso.
A subprocuradora-geral da República Luiza Cristina Frischeisen, relatora do caso no colegiado, reforçou o entendimento de que as críticas da aluna
“foram realizadas dentro do contexto acadêmico em razão de discordância de estudante(s) quanto à licitude ou não de sua nomeação, pelo Presidente da República, para o cargo de Reitora da Universidade, uma vez que ocupava o 3° lugar na lista de eleição para o cargo”.
Segundo ela,
“embora duras, ásperas e contundentes as declarações, não se verifica a configuração dos crimes de calúnia, injúria ou difamação, mas sim o exercício da liberdade de expressão, da livre manifestação do pensamento, do direito de crítica e do debate acadêmico em torno de uma ideia que reputou-se ilegale inconstitucional”.
A subprocuradora-geral também confirmou o entendimento de que não foram configurados os crimes de ameaça e associação criminosa.
Com relação à suposta prática de associação criminosa, o órgão revisor ratificou que não há elementos de informação concretos quanto a eventuais atos criminosos praticados por três ou mais pessoas, mas sim exercício do direito de reunião. Também não há conduta anterior imputada a estudante que corrobore o receio de realização de algum ato que venha a atentar contra a integridade física da representante, não havendo indícios ou notícias de qualquer prática de conduta violenta pela representada.
A 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (2CCR/MPF), destacou que o arquivamento pelo MPF em Mossoró cumpriu a legislação e orientações do MPF e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que não determinam a necessidade de apreciação do Judiciário. De acordo com a subprocuradora-geral da República, “verifica-se a possibilidade jurídica inconteste de a promoção de arquivamento de inquérito policial pelo órgão ministerial ser submetida diretamente à Câmara de Coordenação e Revisão para homologação”. O entendimento é corroborado por precedentes juntados ao voto, entre eles decisões da Justiça Federal, do Conselho da Justiça Federal e do próprio CNMP.
A representante da 2CCR reiterou, ainda, que o MP é o titular da ação penal e pode, inclusive, discordar das conclusões da Polícia Federal. Segundo ela, “o relatório é apenas uma peça do inquérito policial, que pode subsidiar a atuação do Ministério Público, porém prescindível e não vinculante”.
O STJ decidiu que
“a regra da devolução, prevista no art. 28 do Código de Processo Penal, somente é aplicável quando o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública é inobservada pelo promotor natural, momento processual em que o juiz investe-se no papel de fiscal, a fim de velar pela obediência a tal princípio.” (RHC 13.887/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 23/11/2004, DJ 14/03/2005, p. 383).
Então, por analogia, é possível mesmo que um Juiz atue na qualidade de “fiscal” do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, princípio este que, apesar de não estar expressamente contido em lei? Segundo o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, o Ministério Público está obrigado a oferecer a ação penal tão só tenha ele notícia do crime e não existam obstáculos que o impeça de atuar. Impõe-se, portanto, ao Ministério Público o dever de promover a ação penal. Segundo Moraes Oliveira (2017, pag. 257), “nenhum dispositivo legal do ordenamento jurídico pátrio expressamente prevê que o exercício da ação penal seja obrigatório, ao contrário de outros ordenamentos alienígenas.” (O mito da obrigatoriedade da ação penal no ordenamento jurídico brasileiro, Tássia Louise de Moraes Oliveira, 2017).
A mesmo conclui em sua obra (pág. 257) que
“os defensores da indisponibilidade aduzem que a mitigação de tal princípio [da obrigatoriedade da ação penal pública] geraria a sensação de impunidade. Tal premissa, contudo, não se sustenta, uma vez que o oferecimento da denúncia, por si, não assegura a condenação”. “O órgão ministerial poderá exercer discricionariedade no exercício da ação, optando por não denunciar o agente criminoso por razões de conveniência pessoal e de política criminal” (pág. 239).
Portanto, eu não concordo que com a ideia de que o juiz deva ser “fiscal” da obrigatoriedade da ação penal pública, pois sistema penal brasileiro, segundo o novo dispositivo processual penal, é acusatório, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação (Art. 3º-A, do Código de Processo Penal). Então, sendo o Ministério Público, como verdadeiro fiscal da ação penal pública, este poderá, por questão de política criminal, e por ausência de dispositivo legal no nosso ordenamento jurídico que dá obrigatoriedade à ação penal pública, dispô-la a depender do caso em concreto.
Finalizando, para Melo, a regra da devolução, prevista no art. 28 do Código de Processo Penal, somente é aplicável para o juiz discordar das razões de arquivamento, não limitando estas razões, mas apenas submetendo-as ao controle judicial e se o Juiz discordar deve remeter ao PGJ para decisão. E conclui: “Ora, se o Juiz concordar com as razões, as quais podem ser temas como ‘prioridade para processamento’, razões de política criminal, falta de pauta para audiências e outros temas que não apenas aos referentes à tipicidade e autoria como tem prevalecido” (MELO, André Luís Alves de. Obrigatoriedade da ação penal é um mito. Revista Consultor Jurídico, 18 jul. 2011, pág. 1).
Conclui-se aqui conforme o pensamento de Moraes Oliveira (pág. 260): segundo a nova ordem constitucional, não deveria haver a intervenção do Poder Judiciário para o arquivamento da ação penal pública, a qual objetivou prezar pela independência do Ministério Público, o processo deve ser visto como ferramenta de política criminal e instrumento de limitação do poder punitivo do Estado.
(Fonte da informação: Secretaria de Comunicação Social Procuradoria-Geral da República, link: http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/camara-criminal-do-mpf-confirma-arquivamento-de-inquerito-contra-estudante-que-criticou-reitora-de-universidade-federal-em-mossoro-rn/view)
(Foto: Arquivo Particular).
Artigo escrito por Júnior Cardoso (nome social).
Advogado Criminalista
(José Cardoso de Araújo Júnior, OAB/RN 18.082) . Site: https://linktr.ee/jrcardosoadv