Professor e pesquisador imagético faz uma retrospectiva sobre como a criança era inferiorizada na Antiguidade e na Idade Média
Infância: período marcado pelas brincadeiras com os irmãos, primos e amigos, pelo carinho e proteção dos pais, dos avós… enfim, por experiências importantes que não são apenas meras recordações, mas que marcam o primeiro acesso do indivíduo ao conhecimento humano, influenciando seu desenvolvimento como um todo. Não menos importante, a escola possui uma relevância fundamental nesse processo, por oferecer à criança a oportunidade de ser protagonista do próprio aprendizado. Mas, será que ela sempre foi vista dessa maneira? Certamente não! Por muito tempo, a infância, como um período especial da vida humana, foi minimizada na sociedade e acreditava-se que os pequenos não passavam de “mini-adultos”.
“No decorrer da história, as pessoas demoraram muito tempo para aceitar e compreender o conceito de infância. Na Antiguidade, por exemplo, os pequenos eram considerados adultos em miniaturas e, por isso, usavam roupas de adultos”, diz Jack Brandão, professor doutor em Literatura, pesquisador e diretor do Centro de Estudos Logoimagéticos CONDES-FOTÓS.
Ele também destaca que grande parte das brincadeiras voltadas às crianças, nos dias de hoje, destinava-se, anteriormente, aos adultos que trabalhavam muito. Ao necessitarem de um momento de paz e de descanso, eles recorriam a elas como forma de distração. Já os pequenos acabavam imitando-os e, assim, as brincadeiras tornaram-se infantis com o passar do tempo.
Segundo Brandão, três filósofos gregos da Antiguidade foram fundamentais para a compreensão da ideia de infância naquele período: Sócrates, Platão e Aristóteles. O primeiro pensador, segundo o pesquisador, afirmava que, se os pequenos fossem bem educados, eles dariam continuidade à produção de modelos futuros de ensinamento, mantendo a tradição da pátria. Caso houvesse uma interrupção nesse processo, toda a comunidade seria prejudicada. O segundo apresentava uma visão negativa da criança, considerando-a um ser inferior, sem nada a oferecer, ocupando o tempo dos pedagogos, que precisariam domá-la. Já Aristóteles acreditava que, enquanto ser em formação, a criança precisaria ser direcionada, a fim de manter a integridade da própria sociedade. Para isso, ela deveria seguir determinados modelos, pois tal formação se daria por meio da imitação ou mímesis, como aponta o professor. Assim, na visão desse filósofo, ela teria relevância não pelo que é, mas pelo que se tornaria, ao crescer.
Não é apenas na Grécia antiga que os pequenos eram inferiorizados. Ainda segundo Brandão, Roma também apresentava tal concepção. “Muitas vezes, o nascimento de um ser humano não era um acontecimento biológico, mas social e, ao nascer, o bebê poderia ser ou não aceito pelos pais.”
O professor afirma, ainda, que tal rejeição poderia acontecer até mesmo na gestação, caso o pai descobrisse, por exemplo, que o pequeno não fosse seu filho, mas fruto de uma traição. “Além da traição, a deformação biológica da criança era outro motivo para que os pais a jogassem fora. Isso mesmo! Algo extremamente assustador para nós, nos dias de hoje, mas verdadeiro naquela época”, completa.
Assim como a Antiguidade, o pesquisador afirma que a Idade Média também foi um período marcado pela rejeição e abandono de bebês, em algumas regiões, por terem defeitos ou por nascerem em uma condição econômica precária. “Muitas famílias abandonavam seus filhos, de modo especial, na porta dos mosteiros. Estes os acolhiam e os ensinavam a ler e a escrever e, assim, muitos se tornavam monges”.
Portanto, embora, na Idade Média, as crianças ainda não fossem reconhecidas como deveriam ser, foi justamente nesse período que, aos poucos, começaram a surgir espaços sociais voltados para elas, ainda no interior dos monastérios que se tornaram, de certa maneira, precursores do jardim de infância.
Outra questão interessante é como a minimização da infância no passado era retratada em algumas pinturas. No período medieval, por exemplo, quase não havia representações de crianças nas obras artísticas e, quando havia, elas eram pintadas como adultos em miniaturas. Brandão faz uma análise de algumas imagens para comprovar tal afirmação. Para acompanhá-la, além de mais informações a respeito do tema, basta acessar o link do Canal Imagens em Foco, pertencente ao CONDES-FOTÓS:
https://www.youtube.com/watch?v=pYSOlAWw4Xc&t=420s
Texto escrito por Mariana Mascarenhas
Jornalista e pesquisadora do CONDES-FOTÓS
Sobre o Prof. Dr. Jack Brandão:
Doutor em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP). Diretor do Centro de Estudos Logo-imagéticos CONDES-FOTÓS Imago Lab, editor da Lumen et Virtus, Revista interdisciplinar de Cultura e Imagem, pesquisador sobre a questão imagética em diversos níveis, como nas artes pictográficas, escultóricas e fotográficas.
Sobre Mariana Mascarenhas:
Jornalista. Mestra em Ciências Humanas pela UNISA. Especialista em Comunicação Organizacional. Pesquisadora da Comunicação. Desenvolveu projeto de pesquisa dedicado a estudar o papel do público midiático a partir de um novo estudo interdisciplinar das Teorias da Comunicação, assessoria de comunicação e pesquisadora do Centro de Estudos Logo-imagéticos CONDES-FOTÓS.