Distúrbio, que pode afetar até 17% da população mundial, caracteriza-se por falhas em funções básicas do complexo processo de comunicação, que levam crianças a ter dificuldades no aprendizado da leitura e da escrita
Um tipo de distúrbio de leitura e escrita que ocorre em crianças inteligentes e com bom potencial a dislexia afeta até 17% da população em todo o mundo. De acordo com o diretor do Instituto de Foniatria de Campinas (SP), médico foniatra e otorrinolaringologista, Dr. Evaldo José Bizachi Rodrigues, a condição pode ser prevenida e cuidada com muito mais eficiência por meio da foniatria, especialidade médica que diagnostica e trata distúrbios da maturação, da aprendizagem (inclusive fala, linguagem – leitura/escrita) e do desenvolvimento (organização e adaptação).
Isto porque a dislexia é consequência de falhas em funções básicas do complexo processo de comunicação. Conforme o médico foniatra, esses falhas podem ocorrer isoladamente ou em associação, tornarão inviáveis, anos mais tarde, a aquisição e a automatização da leitura e da escrita, competências que exigem dessas funções básicas excelência no seu desempenho.
Em outras palavras, para que a criança consiga ler e escrever adequadamente, ela precisa desenvolver, a partir de seu nascimento, algumas habilidades fundamentais, que são: a comunicação oral; esquema corporal e habilidades motoras; e a capacidade de abstração. De acordo com Dr. Evaldo, é a trinca de pilares que sustenta a alfabetização, processo de aprendizado que viabiliza o domínio da escrita e da leitura.
O médico foniatra explica que uma criança só pode ser considerada alfabetizada quando consegue fazer a a transposição de sons para as letras (escrever) e de letras para sons (ler) de maneira automática, ou seja, sem necessidade de tomar consciência dos mecanismos a serviço dessas transposições. “Isso significa que a leitura se dá em velocidade suficiente para que haja compreensão do que está ‘por trás’ das letras, enquanto a escrita acontece em função das ideias que se procura explicitar.”, esclarece.
Conforme Dr. Evaldo, a comunicação oral vai se constituir em um dos componentes fundamentais para a aquisição e automatização da leitura e da escrita, depois de alguns anos de sua boa consolidação. Por sua vez, o completo desenvolvimento do esquema corporal e das habilidades motoras possibilitará a complicada atividade de domínio do espaço, do tempo e do movimento. “Estas conquistas, a serviço da motricidade e da fala, simultaneamente, levam ao surgimento de conceito de tempo, que torna possível o desenvolvimento da capacidade de abstração, base da lógica do pensamento.”, afirma.
Nesse sentido, é possível detectar os sinais que apontam a dislexia antes que os problemas relativos à leitura e à escrita se manifestem de maneira contundente. Afinal de contas, o processo de alfabetização começa a se tornar mais complexo após aos 7 anos, já em idade escolar. É nesse momento, que pais e professores perceberão a dificuldade da criança para escrever, através da troca e omissões de letras, que são mal distribuídas no espaço e de tamanho irregular e, com frequência muito calcadas. Quando a criança tentar ler, eles se atentarão para o fato de que sua leitura é truncada, hesitante e com troca de palavras, ocasionando comprometimento relevante no entendimento do texto.
Entre os sinais que acometem a criança em um período anterior à alfabetização e que permitem prevenir a dislexia de maneira precoce, o médico foniatra destaca: o atraso no surgimento da fala e a troca ou omissão sistemática de sons; a desorganização na elaboração de relatos; a desatenção e o desligamento; a maneira desorganizada da criança interagir, aliada à inquietude e ao jeito estabanado, características do Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH); a dificuldade com palavras que envolvam conceitos de tempo/espaço, como depois, ontem, em cima e embaixo; o hábito de evitar atividades físicas; e o cansaço fácil. Um conjunto de manifestações que levam os professores e pais a considerarem a criança como imatura, infantilizada, quando comparada com outras crianças da mesma idade, mesmo nível sócio cultural e de experiência.
Dr Evaldo lamenta que nem sempre estes sinais sejam valorizados pelos pais e profissionais que trabalham com a infância, o que, geralmente, acarreta a piora do problema. Quando os responsáveis percebem que a criança tem dificuldades de aprendizado, ela já se encontra em período escolar e os esforços para contornar a situação se tornam bem maiores.
Ao ver seus filhos, inteligentes e espertos, alegando cansaço quando precisam ler ou preparar tarefa escolar, com extrema dificuldade para interpretar textos, tirando notas baixas, os pais tendem a pensar que os filhos são desinteressados e preguiçosos e partem para chantagens emocionais e castigos na tentativa de resolver a situação. Pressionadas e sem as ferramentas necessárias para mudar sua condição, as crianças ficam traumatizadas, tornam-se agressivas e com pouca disponibilidade para a socialização. Manifestações somáticas como cefaleia, mal estar gástrico (dor de barriga, vômito etc.) também são comuns nessas situações.
Desse modo, Dr. Evaldo alerta para a importância do diagnóstico precoce da dislexia e para a foniatria como especialidade médica mais adequada para o reconhecimento adiantado do transtorno. “Minha proposta é popularizar as informações sobre os avanços da medicina foniátrica no diagnóstico e o tratamento, com bons resultados, dessas distorções funcionais que colocam crianças inteligentes e com bom potencial em verdadeiros ‘becos sem saída’. “, destaca.
Conforme o médico foniatra, além de boas escolas, com boas propostas pedagógicas, a criança necessita de condições orgânicas e funcionais para adquirir e automatizar a leitura e a escrita, que são a mais sofisticada das formas de comunicação humana. E a foniatria é a alternativa mais pertinente para evitar e tratar (quando já instalada) os problemas relativos ao desenvolvimento do processo de comunicação que levam à dislexia.
É por essa razão que, segundo Dr. Evaldo, a foniatria contribui significativamente para orientar e criar condição mais favorável visando à atuação de outras áreas (terapia ocupacional, fonoaudiologia, psicopedagogia, psicologia) que costumam estar envolvidas, isoladas ou em associação, no tratamento de crianças com esse distúrbio.