Por João Sales
O voto direto e secreto é um direito garantido pela Constituição para que todo cidadão possa escolher, sem a interferência ou imposição de terceiros, as pessoas que irão cumprir mandatos em cargos dos poderes Executivo e Legislativo.
Ele, o voto, é o instrumento mais valioso para uma sociedade democrática. É por meio dele que os cidadãos têm a oportunidade de demonstrar quais programas de governo, apresentados pelos candidatos, eles mais se identificam e acreditam serem os mais adequados, para a manutenção de valores básicos, à cidadania como a igualdade de acesso a direitos civis e políticas públicas de educação, saúde, segurança e lazer.
Desde 1996, a Justiça Eleitoral tem implementado no Brasil um sistema de coletor de votos eletrônicos com a premissa de que, comparado ao sistema de voto impresso, ele garante ao eleitor mais segurança no sigilo e velocidade na apuração do voto.
Mesmo após 22 anos da implementação das urnas eletrônicas, o desconhecimento da sociedade acerca do processo eleitoral tem gerado dúvidas e até mesmo desconfiança sobre em que medida as eleições informatizadas no Brasil dariam margem para possíveis fraudes.
Mas será que existem respaldos técnicos que justifiquem essa desconfiança? Quais ferramentas a Justiça Eleitoral dispõe para garantir a transparência e a fiscalização durante o processo eleitoral?
A urna eletrônica
As urnas eletrônicas brasileiras são propriedade da Justiça Eleitoral, que possui a sua patente. Elas são produzidas por empresas selecionadas por meio de licitação pública, e se modernizaram com passar do anos, a pretexto de assegurar defesas contras invasão de hackers.
“Ela possui uma cadeia de segurança na sua parte física (Hardware) e no seu sistema (software). Qualquer acessório da urna que sofra um ajuste que não seja pela Justiça Eleitoral, irá travar alegando a alteração no equipamento”, explica Marcos Maia, Secretário de Tecnologia da Informação do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte (TRE-RN).
Maia aponta três principais mecanismos e barreiras de segurança. A primeira é o isolamento da urna, que não é ligada a nenhum outro equipamento ou rede no momento da votação, algo que inviabiliza a invasão de um hacker que deseje acessar seus dados.
Além disso, quando termina a eleição, é emitido um boletim, de acesso público, com o resultado de cada seção eleitoral. Esse resultado é transferido, de forma magnética para um pendrive próprio do TRE, usando criptografia, que embaralha os dados contidos nele.
“Só quem vai saber desembaralhar esses dados são os sistemas da Justiça Eleitoral, então se alguém pegar o pendrive e tentar mexer, antes de tudo não vai entender nada, porque está tudo embaralhado, e mesmo que ele mexa, quando chegar aqui será rejeitado”, destaca.
Outro mecanismo criado para facilitar a fiscalização é o Urna na Mão , aplicativo oficial da Justiça Eleitoral para leitura em QRcode do boletim impresso e emitido pela urna da seção eleitoral no final do período de votação, possibilitando ao eleitor visualizar uma cópia digital desses boletins no celular ou tablet.
Transparência
Como assegurar o sigilo total do voto e ao mesmo provar que ele é computado da maneira correta? A Justiça Eleitoral tenta resolver esse impasse por meio de diversas auditagens que são realizadas no período preparatório para a eleição.
Desde 2003, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) utiliza o Registro Digital do Voto (RDV) como um instrumento para facilitar a auditagem. Todos os partidos políticos e coligações têm direito a cópias do RDV de todas as urnas. Além disso, a cada dois anos são realizados testes de segurança públicos, abertos para órgãos e qualquer cidadão interessado, nos quais, durante três dias, são feitas varreduras no sistema.
Nesses testes, segundo Marcos Maia, é possível encontrar fragilidades e vulnerabilidades pequenas, que são prontamente resolvidas, mas nada que venha a comprometer o sigilo ou permitir a transferência de voto de um candidato para outro.
José Antonio Spinelli Lindoso, cientista político e professor do Departamento de Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), opina que o sistema de voto eletrônico no Brasil é “considerado universalmente por vários analistas das áreas das ciências políticas como os da área tecnológica, um sistema altamente seguro”.
“Trouxe mais segurança às eleições brasileiras e tem possibilitado que haja um processo de auditagem capaz de detectar possíveis e prováveis falhas, uma vez que não há nenhum sistema cem por cento seguro , mas até agora em todos os processos eleitorais em que se usou, a urna eletrônica não houve nenhum questionamento mais sério”, aponta.
Fiscalização
Como medidas de fiscalização para as eleições de 2018, no Rio Grande do Norte, assim como nos demais estados, haverá um sorteio no dia 6 de outubro, para escolher três urnas eletrônicas para passar por um votação paralela. Usando candidatos reais, os partidos políticos votam em cédulas de papel e depositam numa urna que será aberta no dia da eleição, para que os fiscais digitem essas cédulas num sistema de microcomputador idêntico ao sistema da urna eletrônica, para verificar se os resultados são iguais.
Além disso, três seções eleitorais serão sorteadas para fazer uma verificação se os sistemas no dia da eleição são os mesmos que foram lacrados pelos partidos políticos e pela Justiça Eleitoral no TSE.
O clima das eleições e as notícias falsas
Embora todo o processo de fiscalização das urnas eletrônicas seja transparente e aberto aos partidos políticos e cidadãos interessados, a participação popular não é numerosa. A princípio, isso poderia representar uma confiança na legitimidade do processo eleitoral, porém o desconhecimento tem permitido com que notícias falsas a respeito da segurança das urnas sejam replicadas na internet.
“O que se vê nessa época de redes sociais, de forma muito intensa, é que a pessoa planta uma notícia sem saber de onde veio e até que se consiga dizer que aquilo é uma invenção, a notícia já viralizou, o que atribui uma imagem negativa para o processo eleitoral. Tentamos sempre rebater, mas são muitas”, ressalta Marcos Maia.
José Antonio Spinelli avalia o questionamento sobre segurança das urnas no período eleitoral como algo inusitado e surpreendente, devido à prevalência do teor político acima do interesse técnico.
“Eu não vejo, neste momento, a discussão sobre as urnas eletrônicas como algo saudável, porque não é apenas um questionamento técnico, mas um questionamento político, ideológico, que pode ter incidência sobre o processo eleitoral, funcionando como gatilho para uma provável anulação das eleições ou uma intervenção de fora para invalidar o processo”, pontua.