Maternidade Escola Januário Cicco conta com uma equipe multidisciplinar que atua diretamente na atenção integral da mulher diante da perda gestacional e neonatal
Por João Pedrosa
A representação social da maternidade está relacionada com nascimento, vida, felicidade e plenitude. Porém, acontecem situações que se contrapõem a esses significados. Apesar de não ser o esperado, a morte às vezes está presente nesse contexto da assistência materno-infantil. Diante desta realidade, a Maternidade Escola Januário Cicco, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (MEJC-UFRN) e filial da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), conta com uma equipe multidisciplinar que atua diretamente na atenção integral da mulher diante da perda gestacional e neonatal. O mês de outubro, em alguns países, é celebrada a Sensibilização à Perda Gestacional.
A perda gestacional e neonatal são fenômenos muito comuns. No mundo, são estimados anualmente cerca de dois milhões de óbitos fetais tardios (acima de 28 semanas de gestação) e 98% ocorrem nos países menos desenvolvidos. Segundo estimativas internacionais, o Brasil se encontra numa faixa intermediária de taxa de mortalidade fetal: 5 a 10/mil nascimentos. Na Maternidade, até junho deste ano, ocorreram 64 óbitos fetais a partir de 22 semanas de gestação; o mesmo número se repete para os óbitos neonatais.
Segundo Caroline Lemos, psicóloga da Maternidade, a morte de um filho antes ou logo depois do nascimento rompe com a ordem natural da vida, interrompendo sonhos, esperanças e expectativas, que normalmente são depositadas na criança que está por vir. “A morte de um feto é a morte de um sonho, a psicologia entende que para a vivência saudável do luto, é necessário que ele seja dito, sentido, refletido e elaborado, mas nunca negado”, afirma.
Este é um processo de luto complexo, pois nem sempre o luto pela perda de um feto é devidamente reconhecido e validado pela sociedade. Contudo, é fundamental para a saúde psíquica dessa mãe o reconhecimento dessa perda. “A mulher e o homem precisam ser acolhidos em sua dor e necessitam de um espaço para chorar, ficar triste, com raiva e, claro, revoltar-se com esta nova realidade tão dolorosa de ser vivenciada”, completa a psicóloga.
É o caso de Valéria Marques, 29 anos que grávida de 5 meses e 3 semanas, teve que interromper a gestação devido a uma insuficiência uterina. Vinicius, seu filho, nasceu com vida e lutou por ela até o fim. “Me sinto orgulhosa de ter conhecido o meu filho e ver o quanto ele foi guerreiro. Me programei para sair da maternidade com Vinicius nos braços e não no caixão”, afirma a mãe.
Sobre a dor do luto e o apoio que recebeu da família e da equipe responsável em trabalhar a perda gestacional junto às pacientes da Maternidade, a mãe relata que passou a valorizar mais a vida e aprendeu a superar a dor a partir da elaboração e do reconhecimento da perda. “Receber a notícia da morte do meu filho foi sem dúvida a notícia mais devastadora que tive em toda minha vida. O apoio do meu esposo, da minha família e sem dúvida da equipe da Maternidade foram primordiais, para eu me manter de pé”, diz.
“É nas reuniões da equipe de perda gestacional que eu me sinto à vontade para falar do meu luto, da minha dor, me sinto acolhida. Através do projeto aprendi a conviver com toda a mudança, aprendi a viver um dia de cada vez e aprendi ainda mais a falar de amor e superação”, completa.
A assistente social da MEJC, Gildeci Batista faz um alerta: o que faz mais falta é a consciencialização de que estas mulheres estão extremamente frágeis, de que o processo não termina na urgência do hospital, mas que se vai refletir no futuro da mulher, eventualmente, no do casal e até com o impacto familiar e social. Por isso, o trabalho de luto é fundamental.
O grupo criado em outubro de 2016 constituído por profissionais de saúde, discentes da graduação e pós-graduação interessados na temática, realiza reuniões quinzenais, sempre às segundas-feiras com a participação de mulheres atendidas pela Maternidade e seus familiares promovendo o cuidado integral à mulher, com vistas à ressignificação e adaptação à nova realidade.
Sobre a Ebserh
Desde agosto de 2013, a Mejc-UFRN é filiada à Ebserh, estatal vinculada ao Ministério da Educação, que administra atualmente 39 hospitais universitários federais. O objetivo é, em parceria com as universidades, aperfeiçoar os serviços de atendimento à população, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), e promover o ensino e a pesquisa nas unidades filiadas.
O órgão, criado em dezembro de 2011, também, é responsável pela gestão do Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (Rehuf), que contempla ações nas 50 unidades existentes no país, incluindo as não filiadas à Ebserh.
Foto: Anastácia Vaz